16 outubro 2006

RAPAZES, AUTOMÓVEIS, MIÚDAS E PASTEIS DE NATA

Já não há rapazes maus, (não havia) na época o Padre Américo acabou com eles.
Sobraram todavia alguns; que agora teimosamente se recusam a envelhecer…
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O nosso amigo “bloguista” Peres Feio, chama-lhes, romanticamente “ A Turma dos Repetentes”. Atrevo-me a dizer que este meu amigo, bem que poderia ser o “chefe de turma”… não é Carlos?
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Mas não fica por aqui!... as meninas da “minha turma” não eram melhores, ou piores, do que nós… e ao volante a Filomena ainda hoje dá cartas.(vá lá rapariga, confessa, eu prometo que não digo nada aos “putos”)
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Li no blog SERPENTINE, da nossa amiga “Isa” a informação de um espectáculo de JAZZ em Vila Real, suponho que em Trás-os-Montes, no dia 21 de Outubro. Comentava este post a nossa amiga “rosmaninho” dizendo algo como isto:
– Vila Real… tão longe!?...
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LONGE?!... agora é tudo auto-estrada!... e eu é que sou velho?...

.Antigamente para lá chegar era quase um dia inteiro de viagem, mas nos dias de hoje, 4 ou 5 horas bastam. (de Lisboa)
Ahi ! esta gente nova o que querem e “clik” e já está.
Leiam o meu “post” RAPAZES, AUTOMÓVEIS, MIÚDAS E PASTEIS DE NATA, para ficarem a saber o que para os jovens (alguns) da série de 1945, significava a palavra longe.
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.Minhas meninas.
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Nos anos sessenta, quase não havia estradas na Península Ibérica. As que havia eram estreitas, com muitas curvas acentuadas e nalguns casos com o pavimento em mau estado; não tanto em Portugal mas principalmente em Espanha.
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Todavia algumas vezes aconteceu que nós a meio da tarde, decidia-mos e saiamos de Lisboa para ir jantar a Sevilha ou a Vigo e regressar a casa ao nascer do sol, para nos sentarmos com os nossos pais, à mesa do pequeno almoço, com ar de santinhos que tinham acabado de se levantar da cama depois de algumas horas de sono, não obstante o ar cansado, de quem “esteve a estudar” até tarde.
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Lisboa – Porto, fazia-se em 3 horas; mas não havia trânsito, facto é que também não havia auto-estrada.
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Saída de Lisboa, da porta da gela-daria Monte-Branco no Saldanha a Torres Vedras, á porta do liceu; 30 minutos. Dar beijinho á namorada e voltar 90 minutos, os nossos pais nem percebiam que tinha-mos saído.
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Postas as coisas assim, estou a dar a ideia, de que não éramos mais do que um bando de delinquentes, mas não era bem assim.
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Naquele tempo, as liberdades não eram como hoje e tínhamos regras que cumpríamos escrupulosamente.
O único crime que cometia-mos era o facto de conduzirmos em velocidade excessiva. Mas atenção, dentro das regras da condução responsável.
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Quero dizer com isto que, já mais algum de nós se arriscaria a atravessar uma povoação ou a circular na cidade a velocidade superior a 50 Kms hora, como estava preceituado, isto se as condições de trânsito ou do pavimento o permitissem.
.Passar com sinais vermelhos, não respeitar os Stop, nos cruzamentos não atender ás regras de prioridade, estava fora de questão.
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Na estrada, fora das localidades, naquele tempo não havia restrições de velocidade, o limite máximo era aquele que a prudência aconselhava, de acordo com o movimento, o tipo de carro, o estado do pavimento, a visibilidade e as condições atmosféricas.
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Não era a vigilância policial que nos preocupava, o problema era outro, a nossa credibilidade como condutores perante os amigos.
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Ser apanhado pela polícia ou ser causador de um acidente por não cumprimento das regras de trânsito, era uma vergonha, um descrédito perante os amigos.
.Ultrapassar traços contínuos, ultrapassar em curvas ou em lombas de estrada, não respeitar semáforos, estacionar em sítios proibidos, mais do que o medo da polícia era o de que alguém ou os amigos vissem ou disso tivessem conhecimento. Em pouco tempo seríamos o escárnio de todos:
.- Olha aquele “NABO” passou com o sinal vermelho ou então; o “gajo” não percebe nada disto, imagina que até passou o traço continuo, saloio, outra coisa não seria de esperar dum individuo que até já foi multado em Lisboa por estacionamento proibido, etc. etc. etc..
Se tal nos acontecesse mais valia deixar de aparecer no café por uns tempos.
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Orgulho mesmo era cumprir as "médias" e os tempos preceituados nos regulamentos dos Ralys, que à época vigoravam e não deixavam margem para atropelos ao código da estrada, excepto nos percursos devidamente assinalados e vedados ao trânsito para esse efeito. Todo o resto da prova tinha que decorrer no estrito cumprimento das regras de circulação, o que em estrada livre nos obrigava a acelerar mais para cumprir os tempos estabelecidos.
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As coisas funcionavam pouco mais ou menos assim:
- Pelas vinte horas o Besnico apresentava-se pontualmente à mesa para jantar com o pai e com a mãe.
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Depois do jantar, o pai ia até á sala tomar o café na companhia da mãe e na maior parte das vezes por ali ficavam a ver televisão. Ciente que não tencionavam sair depois do jantar, o Besnico não dando sinais do nervosismo que então já o invadia, perguntava com o ar mais inocente deste mundo:
.- Se o pai não vai sair, importa-se de me emprestar o seu carro para eu ir ao Monumental tomar um café com uns amigos?... ao que não raras vezes meu pai respondia perguntando porque é que eu não apanhava o metropolitano cuja estação era mesmo á nossa porta. Uma resposta evasiva e uma palavra de minha Mãe dizendo sempre – vá lá, só por esta vez empresta lá o carro ao miúdo, mas não venhas tarde que amanhã tens aulas de manhã.
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Visivelmente orgulhoso meu pai entregava-me as chaves, acompanhava-me á porta e perguntava-me se tinha dinheiro. Já na escada em surdina para não perturbar minha mãe, segredava-me ao ouvido, que tivesse cuidado na estrada.
Mas pai vou só até ao Saldanha tomar café com o João, mentira piedosa para que não ficasse preocupado.
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Demorei algum tempo a perceber, que não o estava a enganar. Ele sabia bem para onde eu ia, o Pai da minha namorada tinha o cuidado de o informar que a viagem tinha corrido bem logo eu lá chegasse. Ambos sabiam, como as coisas se estavam a passar e nós ingénuos a pensar que tudo era feito em segredo e não se sabia de nada. (nossos queridos pais…)
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Tirava o carro da garagem, contornava serenamente a praceta da avenida dos Estados Unidos da América, e mal me apanhava fora das vistas lá de casa, vai de acelerar direito á auto-estrada do Norte, que naquele tempo só chegava a Vila Franca de Xira. Em pouco menos de uma hora e meia ai estava o Besnico a chegar a São Pedro de Moel, depois de ter rapado em derrapagem controlada as curvas da subida de Alenquer, Rio Maior, Caldas da Rainha, Nazaré.
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Finalmente, silenciosamente, estacionava o carro e ia a pé, sem fazer barulho bater-lhe à janela do quarto onde ficávamos a conversar em surdina até quase ao nascer do sol. Não entrava, não que eu não pudesse saltar aquela altura, para me proteger da humidade da noite, mas ela não deixava. E assim sujeito a apanhar um resfriado, ali ficava eu pendurado do lado de fora. Uma verdadeira desumanidade.
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Subitamente dando-me conta das horas, lá regressava em nova corrida a tempo de repor nas bombas do aeroporto à entrada de Lisboa a gasolina gasta e de manualmente fazer retroceder alguns quilómetros no conta quilómetros do carro de meu pai, entrando de mansinho em casa para me enfiar na cama antes que alguém se levantasse.
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Para terminar, dou-vos ainda a informação do “melhor” tempo que este vosso amigo fez no percurso, Av. de Roma - Aeródromo de Tires em Cascais, um verdadeiro recorde, três dias, incluindo dois dias de internamento hospitalar.
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Durmam Bem e cuidado na estrada, há por ai velhotes a conduzir que parecem loucos.
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– Lisboa - Vila Real de Trás-os-Montes, longe?!... baahhaahh!... nos dias de hoje?!... e depois eu é que sou velho.
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8 Comments:

At 17 outubro, 2006 22:41, Blogger isabel said...

Pois! Para ir a Évora passar o Natal com a família era quase um dia inteiro. Que enjoo...
Que saudades desses tempos...

Agora, felizmente, é tudo mais rápido, mas Vila Real não deixa de ficar um pouco "fora de mão" :))

 
At 18 outubro, 2006 03:37, Anonymous Anónimo said...

De Pombal a Castanheira de Pera era meio dia de caminho, no regresso fim de tarde era paragem obrigatória na Ribeira de Alge para comer uns peixinhos do rio fritos, isso é que era um petisco.

Hoje, não sei se o tasco ainda existe, e peixes? será que ainda os haverá???

Ó Bésnico, então S. Pedro?? juro que pensava que era só eu... quero dizer, que tenho esta paixão quase doentia pela a praia.

Olhe que não recebi nada no correio, deixo um abraço...

 
At 18 outubro, 2006 11:16, Anonymous Anónimo said...

Ai

Dito assim até parece que hoje nada tem graça

E se calhar não tem mesmo...

 
At 18 outubro, 2006 11:22, Blogger Besnico di Roma said...

Juda – querido amigo, quem é que tu queres enganar?... a tua paixão é pela praia ou por alguém que vivia ou frequentava a praia?...
Eu pelo menos confesso.
Um abraço

 
At 18 outubro, 2006 15:24, Blogger mnemosyne said...

Apreciei este teu texto...fez-me retroceder no tempo... :)
Um beijo

 
At 21 outubro, 2006 00:20, Anonymous Anónimo said...

toda a gente se diverte em todas as épocas - algumas décadas e alguns locais foram (são?) mais propícios a "dar-nos à paródia"...só isso! ...já percebi que "chumbas" de propósito, para continuares na "turma dos repetentes"! continua por aqui, companheiro...! abraço
carlos peres feio

http://podiamsermais.weblog.com.pt/
http://aminhaverdadeiranatureza.blogspot.com/
http://peresfeio.multiply.com/

 
At 25 maio, 2007 21:07, Blogger redonda said...

Gostei do conto :)

 
At 26 maio, 2007 16:51, Blogger Maria Carvalho said...

Já tinha lido mas não tinha comentado...os nossos tempos até que eram bem giros!! Aventura...aventura. Beijos.

 

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