29 janeiro 2007

E O TEMPO PAROU ALI - ou Amei-te em segredo

Nada fazia prever, tão pouco eu sabia o que queria fazer naquele dia.
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Estava sozinho, sentado ao volante do meu fiel, amigo e companheiro de viagens. No rádio 98.1 MARGINAL – o FM mais perto do mar.
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Adoro música de Jazz – blues. Subitamente obedecendo a um impulso estava a rodar na marginal, Estoril – avenida dos Bombeiros Voluntários direito à nacional 9, com destino ao Ramalhão - Sintra.
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Esta estrada já não é a minha estrada, está desfigurada. Por isso, dei meia volta no Ramalhão e entrei em Cascais direito ao Guincho – Malveira da Serra; o mesmo destino mas uma estrada diferente.
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Claro que já não esperava encontrar pelo caminho as camponesas da Várzea que nos anos cinquenta vinham à estrada, braço estendido, oferecer aos poucos carros que passavam com famílias em passeio, uns cestinhos de vime cheios de fetos entre os quais se acomodavam, fresquinhos, pequeninos, vermelhinhos e aromáticos moranguinhos de Sintra.
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Ao fundo na curva da estrada adivinhava-se já Colares. Pelas janelas do carro totalmente abertas e com o tejadilho corrido, entrava o ar suavemente morno daquele dia, numa promessa de Primavera que já não estava longe. No rádio do carro depois de Peter Cincotti em I Love Paris surje Dinah Shore com The Man I Love (filme Casa Blanca), entrei em Colares onde vivi algumas ilusões felizes aos meus 16-17 anos; quero dizer com isto, há quarenta e poucos anos atrás.
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Estacionei o carro e continuei o caminho a pé.
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Sem destino certo, caminhei por todos aqueles caminhos que me foram familiares.
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Caminhei como fazia em rapaz, saltando de travessa em travessa ao longo da linha do eléctrico, que ao tempo, saia de Sintra e ia até à Praia das Maçãs.
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Em vão procurei uma esplanada, para me sentar a desfrutar daquele ambiente mas nada. A minha velha pensão de férias era agora um banco. Ah!... e o pinheiro manso?!... aquele bondoso gigante foi cortado… criminosos!
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Um pouco mais à frente entrei por uma rua que me levou a um restaurante com esplanada e que eu não conhecia. Decidi ficar por ali e se me servissem um café depois até almoçaria.
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Instintivamente comecei a escrever, já nem sei o quê.
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Pouco depois chegou uma família para almoçar e… e… meu Deus, era ela… já nem me lembrava, nunca me teria lembrado se não a visse. O seu nome não sei, nunca cheguei a saber. Foi então que recuei no tempo quarenta anos para trás. Fiquei surpreendido com a imagem tão nítida que tive, da primeira vez que a vi.
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Agora ali estava ela, linda como sempre, bem vestida e primorosamente penteada, com ar de quem está bem na vida e é feliz.
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Na sua companhia, se bem me lembro, um casal de encantadores velhotes; possivelmente pais ou sogros; um senhor bem parecido, elegante e mais ou menos da minha idade que deduzi ser o marido. Dois jovens, da idade dos meus que deveriam ser os filhos. Tudo gente de bons modos, com ar de felicidade e de vida confortável.
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Quarenta anos depois, ali estava ela, bem na minha frente. Amei-a na juventude, sem que ela alguma vez suspeitasse; nunca tive coragem de lhe falar ou sequer me aproximar dela… mas amava-a em segredo.
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Apeteceu-me gritar – sou eu, estou aqui – lembras-te de mim? Sou aquele estouvado que todas as manhãs, ensonado, despenteado, com o pão com manteiga na mão e a tentar meter a camisa dentro dos calções, como um tonto, apanhava aqui o eléctrico em andamento, onde os meus pais e um casal amigo com a filha, já estavam sentados, prontos a ir até à piscina; mas como sempre eu chegava atrasado e passava o resto da viagem a acabar de me vestir e a tentar por o cabelo no sítio, frente a um espelhito minúsculo, que a filha dos nossos amigos tirava do saco e pacientemente segurava na mão.
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Só não fazia a barba no eléctrico da Praia das Maçãs, porque naquele tempo ainda a não tinha. Um desatino todas as manhãs e risada geral do pessoal do eléctrico.
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Nunca lhe falei e não sei porquê… talvez porque naquele tempo, impiedosamente, amigos, jovens como eu e um ou outro adulto me faziam ver algo que eu não via, ainda hoje frente a ti, neste momento, continuo a não ver… essa pequena imperfeição, essa tua pequena má formação de nascença, que em nada ofuscava, nem ofusca, essa tua beleza, esse teu encanto, essa tua sedução.
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Estou feliz por ver que és feliz.
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Perdoa-me e perdoa que te diga; agora e só agora, em silêncio :
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- Amei-te em segredo.
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11 Comments:

At 29 janeiro, 2007 14:39, Anonymous Anónimo said...

Ao passar em casa para levar uns documentos vim ao PC, juro que me lembrei de aqui vir, pensei: deixa-me ver se este gajo já deu sinal de vida? - ai, se a minha mãe soubesse que assim o tratava mesmo em pensamento, não me livrava de levar uns estalos pela má educação.

Voltou e em força meu caro, que texto, gostei de voltar a ler os seus escritos, vamos ao café, marque o dia.

 
At 29 janeiro, 2007 17:10, Blogger Maria said...

Ah, como eu te percebo, Besnico.
Os amores de juventude nunca se esquecem...
Voltaste em grande, com uma estória linda.
Não fiques tanto tempo sem aparecer...
Beijo

 
At 30 janeiro, 2007 08:53, Blogger susana said...

Andaste mais tempo ausente que eu..seu preguiçoso!
Quantas pessoas não amamamos, gostamos, ou será que apenas desejamos em segredo..., lembro-me de ficar feliz, só de o ver passar!Algumas chegamos lá, outras ficamos só pela observação!Não podemos ter tudo na vida!
Deves ter gostado da musica que tenho no blog...jazz, Diana Krall.
Já que gostas tanto, vou-te indicar um sítio no Porto
onde o podes ouvir, ServArtes, perto do cruzamento da constituição com Serpa Pinto. O ambiente é geralmente para pessoas com mais de 30, (tem poucos putos)!Se chegares cedo tens onde sentar e ainda podes ver exposiões de arte.
Se a tua patroa nao estiver disposta e um dia quiseres lá ir, diz!
beijinhos da tua amiga miss

 
At 30 janeiro, 2007 12:05, Blogger Besnico di Roma said...

Olá miss!
Registei o convite. Estou a poucos meses de me reformar, nessa altura terei disponibilidade para visitar todos os amigos “virtuais” e claro está, vamos ao Jazz contigo como “cicerone” dessa maravilhosa cidade invicta?!... ou será “imbicta”?!... eheheh
Beijitos miúda, fica bem.

 
At 30 janeiro, 2007 12:08, Blogger Besnico di Roma said...

Maria, tiveste saudadinhas minhas foi?...
Que gira… beijitos.

 
At 30 janeiro, 2007 12:13, Blogger Besnico di Roma said...

Juda, amigão.
Não sejas tão formal, desta vez vamos ao café, prometo.
Vou enviar-te um e-mail a combinar, já que não usas o TM e eu não sei o teu.
Um abraço.

 
At 30 janeiro, 2007 13:51, Blogger Maria Carvalhosa said...

Olá meu amigo Besnico,

Já tinha saudades das tuas palavras.

Tens aqui um belo texto e "macacos me mordam" se não é autobiográfico ;).

Grande abraço e um beijinho.

 
At 30 janeiro, 2007 17:04, Blogger Papoila said...

Muito bonito este texto e até que enfim que escreves meu patife! Há quanto tempo não lia nada teu. O pormrnor do pão com manteiga na mão e a fralda da camisa de fora delicioso.
Tantos que ficam só no olhar mas marcam!
Beijo

 
At 31 janeiro, 2007 00:37, Blogger Flôr said...

Que bom Besnico....voltaste em força!!!
Gostei muito da tua estória.
Todos nós, (acho eu) temos uma recordação de um amor em segredo....
Beijinho.

 
At 31 janeiro, 2007 09:44, Blogger jorge esteves said...

Uma história adequada a um regresso. Quase me pareceu estar na plateia do Trindade a ver uma fita do Tennessee Williams...
Gostei especialmente daquele final em tons de sépia, com o som de um saxo lânguido, em fundo, saído da aparelhagem do carro que se afasta...
'Tá bem!'Tou a inventar...
Mas gostei!
Um abraço.

p.s. - enganaste-te: não é! a mula nunca aceitaria passar de cavalo para burro. Confuso, não?...

 
At 31 janeiro, 2007 11:59, Blogger Besnico di Roma said...

Meu caro “TINTA PERMANENTE” na verdade enganei-me. Mas já me ri hoje à custa do teu comentário.
Apresenta por mim as minhas desculpas à mula.
Só gostava de ver a cara de quem ler estes comentários e não perceber de que estamos a falar.
Mas eu sou bonzinho, gravatem no blog TINTA PERMANENTE, vejam os comentários e logo vão perceber.

 

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