INSTINTOS PRIMÁRIOS ou Como um Animal Selvagem
Não quero saber o que esta história parece. Já há muito que me deixei de preocupar com aquilo que se designa como - política ou socialmente correcto.
Hoje vou lá – esta manhã primaveril despertou em mim instintos primários. Hoje vou lá, vou percorrer todos os caminhos onde a possa encontrar. O predador em busca da presa, o macho em busca da fêmea.
Hoje vou lá – esta manhã primaveril despertou em mim instintos primários. Hoje vou lá, vou percorrer todos os caminhos onde a possa encontrar. O predador em busca da presa, o macho em busca da fêmea.
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Quando era criança, subitamente numa dada altura do ano, ao acordar, sem saber porquê, sentia-me feliz, vivo, alegre.
Era então que reparava que pelas frestas das portadas da janela do meu quarto se coavam uns raiozitos de sol mais brilhantes do que o habitual e que davam ao quarto, não obstante as sombras das frondosas árvores, uma luminosidade especial, azulada, morna e mais intensa.
Pese embora o facto de ser um homem “moderno”, ainda dou muita importância aos sentidos e aos instintos. É através deles, como então quando menino, que capto as mais diversas sensações; um mundo de informação que me chega através da pele, do ouvido, do olfacto, muito antes ainda que a visão e que ao acordar determina o meu humor para o resto do dia.
Em criança, ao despertar nessas manhãs especiais, para além da luz coada através das frestas e buracos das portadas em madeira das janelas do meu quarto, recebia do exterior esse mundo de informação.
A sonoridade dos pregões de Lisboa anunciando as primícias da época – cerejas, “brincos de princesa” como eu lhes chamava, as vozes, o som abafado do rodado das carroças e dos cascos das mulas que as puxavam e até o som dos poucos automóveis que passavam, chegavam até mim com uma sonoridade especial, diferente da dos dias de Inverno. Se isso não bastasse, o chilrear dos pássaros que se acomodavam e faziam os ninhos nas árvores da avenida 5 de Outubro e Barbosa du Bocage, eram a confirmação – Tinha chegado a Primavera.
Estendia-me então preguiçosamente na cama e ficava a contemplar no tecto do meu quarto o espectro da luz solar que se infiltrava por algum buraco das ripas de madeira das portadas da janela e incidindo nos espelhos e puxadores dos moveis, igualmente em vidro espelhado, se decompunham em maravilhosos pontinhos coloridos das sete cores do arco-íris
Preguiçosamente esticado na cama desfrutava através da pele, de uma agradável aragem morna, que me chegava da rua pela janela interior semiaberta.
A esta capacidade de sentir, muitas vezes sem ver - através da pela, do olfacto e do ouvido o mundo que nos rodeia, é a isso que eu chamo o INSTINTO ANIMAL e penso que os cidadãos do mundo moderno, audiovisual, electrónico, “pré-fabricado” das grandes cidades, já hoje se não apercebem.
São estes “instintos animais” que me dão, tal como um animal selvagem, a noção de que é a época da caça, a época do acasalamento ou a época de hibernar. São estes instintos que algumas vezes determinam as minhas acções, o meu modo de agir.
Hoje, tal como antes, ao acordar, tive a certeza que finalmente a Primavera tinha chegado e novamente tinha despertado da invernia para a vida.
Obedecendo a um impulso incontrolável, a um instinto selvagem, tomei a decisão – fosse qual fosse o preço. Percorrer o caminho, com arrojo, com determinação; indiferente ao perigo, aos inconvenientes, disposto a correr todos os riscos – procura-la, abraça-la, subjuga-la, morder-lhe os lábios com terna fúria – BEIJÁ-LA OU MORRER.