26 novembro 2007

DOUTOR SALVE A MINHA QUERIDA MÃEZINHA, ou Histórias do Tio Zé

Dedico esta história à nossa querida amiga “ROSA DOS VENTOS” pelo comentário no meu anterior “post” e para mais uma vez a fazer rir.

À memória do Dr. “Tio Zé”.

Homem de fina graça, da antiga escola dos médicos de Coimbra, dedicou toda a sua vida, como médico de aldeia, ao povo da sua terra, num maravilhoso cantinho algures em Trás-os-Montes.

Tio de minha mulher, foi este homem pessoa importante na região como médico hidrologista, chegando a ser Delegado de Saúde na região.

Poeta e bom contador de histórias, fruto da sua vivencia de médico da aldeia, poderia ter escrito um livro o que todavia não fez, por motivo de adversidades várias, nos seus últimos anos de vida.

Foi a ele que eu roubei o título do meu blog, “MEMÓRIAS DE UM AMNÈSICO”.

Nunca gostei de plagiar ninguém, mas penso que contar com palavras minhas esta história verídica, tentando ser fiel à narração que de sua boca escutei, não poderá ser considerado plágio.

Para si, Tio, aqui fica a história, em jeito de homenagem, com a mais profunda saudade
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* * *

DOUTOR SALVE A MINHA QUERIDA MÃEZINHA


Uma noite, reunidos lá em casa à lareira, penso que em vésperas de Natal, bateu-nos à porta com estrondo, um homem que em grande agitação gritava:

- Ai doutor, por amor de Deus, salve a minha querida mãezinha!... Salve a minha querida mãezinha, que mãezinha há só uma!

Prontamente o médico saiu para a rua e deparou com um homem conhecido na aldeia pelas suas famosas e continuadas histórias de bebedeira. Na sua companhia uma velhota, sua mãe, que sangrava abundantemente de uma extensa ferida na arcada ciliar.

Sem mais delongas, o nosso Tio encaminhou a idosa senhora para o consultório que funcionava numa dependência da sua casa a fim de lhe prestar os cuidados mínimos e a encaminhar para o hospital. Tudo isto ao som da gritaria do bêbedo:

- Ai doutor, por amor de Deus, salve a minha querida mãezinha!... Salve a minha querida mãezinha, que mãezinha há só uma!

O que é que se teria passado?!...

A velhota preocupada com o filho que tardava em chegar; a despeito da geada que se fazia sentir, cobriu-se com um agasalho, meteu-se ao caminho e vai de percorrer todas as tabernas da aldeia à procura do malandro. Não tardou, pelo burburinho, que fosse dar com ele numa tasca onde já tinha iniciado uma forte briga.

Tomada de pânico a velhota interpõe-se, na tentativa de apartar os contendores pelo que, na confusão, recebeu um valente soco num olho.

Já no consultório, o nosso Tio observou a ferida, rodeou-se de todas as percussões e deu início aos curativos tendo concluído que não seria necessário enviar a velhota para o hospital.

Como médico do corpo de Bombeiros, estava habituado a estas situações de emergência e o caso não era nada que em condições piores, inúmeras vezes, não tivesse já feito.

Assim e considerando a extensão da ferida, decidiu ele mesmo suturar a velhota com um pontinho ou dois.

Preparou a injecção de anestesia e quando da primeira picada a velhota ter-se-á dorido e queixou-se. Foi então que, o extremoso filho, saltando do sofá onde estava a curtir a bebedeira, vociferou:

- Cale-se sua besta, você aqui não diz nada. Aqui quem fala é o senhor doutor!

Depois continuando com a berraria, acrescentou:

- Ai doutor, por amor de Deus salve a minha querida mãezinha!... Salve a minha querida mãezinha, que mãezinha há só uma!


Juro-vos meus queridos amigos, isto é rigorosamente verdade.

21 novembro 2007

FRESQUINHO, ACABADO DE CHEGAR ou Histórias do Tio “Neco”

Meu Tio António, casado com uma irmã de minha mãe, monárquico, alto e esguio, olho claro, tinha uma maneira muito especial de contar histórias e uma graça muito particular de responder às adversidades da vida.

Contava ele, que certo dia se deslocou a Peniche com a ideia de comer um bom peixinho fresco em restaurante conhecido e por ali passar um belo dia.

Já no restaurante, foi-lhe servido um peixe que, pelo aspecto e sabor, teria sido pescado ainda quando as caravelas do Gama saíram para as Indias.

Sem se perturbar, meu tio, chamou o empregado e apresentou a sua reclamação dizendo que num restaurante daquela categoria, não era admissível apresentar um peixe assim.

Confrontado com a situação, o empregado terá respondido qualquer coisa como isto:

- Mas Senhor Conde, o peixe é de hoje, acabado de chegar!

Tranquilamente meu tio respondeu com estas palavras:

- Também eu acabei de chegar hoje e tenho 74 anos…

15 novembro 2007

CARTA PARA OS MEUS DONOS

S. Pedro de Moel, Setembro de 2007

Querida dona

Antes de mais convêm esclarecer que estou morto, como sabes. Sou o vosso cão; vosso sim, teu e dele, ou já se esqueceram que me adoptaram por volta de 1966?!...

Ainda me lembro, quando cheguei a S. Pedro de Moel, triste, magro e esfomeado. Rondei a tua porta, tinha esperança que me calhasse um ossito das sobras lá de casa.

Quando me viste, foi simpatia à primeira vista e exclamaste:

Ó mãe, arranje-me qualquer coisa para dar a comer a este infeliz, coitadinho!

Sem saber, acabava de ser baptizado e fiquei a chamar-me Infeliz.

Nunca tinha tido um nome. Tão pouco me lembro de quando e onde nasci. Mas recordo-me bem de quando comecei a viver na tua casa; pouco tempo antes d’ele ter aparecido.

Ele quem?!... por favor, não faças de mim parvo. Sabes muito bem de quem estou a falar. Ele!... por aí quando se fala dele, é só mesmo Ele… sim o “bananita” esse mesmo, o “mais que tudo” o “Besnico”.

O que eu te aturei, o que eu vos aturei, e com o tempo habituei-me a considera-los meus donos.

Fui o teu amigo, o teu confidente e vi-te chorar muitas lágrimas.

Mas que par… não perdiam uma oportunidade para correrem para os braços um do outro. Todavia melhor seria que nunca se tivessem conhecido. Tão tolo era um, como o outro, mas amavam-se e disso eu sei.

Quando me adoptaste, passei a ter direito a coleira, mesa farta e a dormir na garagem, acho que até engordei; uma verdadeira vida de cão, mas em liberdade.

Com o tempo, principalmente no Inverno, esgueirava-me para o teu quarto e dormia no tapete aos pés da tua cama, escondido da tua Mãe.

A tua mãe é que era o problema.

Não que ela me tratasse mal, melhor dizendo, nos tratasse mal.

Não, não, muito pelo contrário, até nos tratava muito bem, só que não gostava de intimidades com cachorros.
Dava-nos abrigo, comidinha farta, umas palavras de carinho, mas ao contrário do teu pai, ela não queria intimidades.

Para ela, cachorros e Besnicos estavam ao mesmo nível; bom trato e pouca confiança, e todavia gostava de nós.

Pois é, mas ambos nos esgueirávamos pela calada da noite, eu tinha mais sorte, entrava, ele ficava do lado de fora.

Nunca consegui perceber porque é que aquele parvo, não saltava a janela e se escondia como eu debaixo da cama.

Bem, penso que já sabes quem sou?... Um Cão Preto Chamado Infeliz.

Apesar de tudo fui muito feliz enquanto vivi na vossa companhia.

Recordo-me do dia em que ele chegou e da tua agitação.

Fui o primeiro a saber da sua existência, tinhas-me contado. Fui-lhe apresentado, mesmo antes dos teus Pais.

Depois das cerimónias e salamaleques lá de casa, foste exibi-lo ás tuas amigas, São Pedro veio ás janelas para o ver, e o parvo foi na conversa.

Uma delas, proferiu uma frase, que mesmo morto como estou, ainda hoje tenho vontade de lhe dar uma mordidela, aquela frase caiu em mim como um mau presságio:

- Olha, agora põe esse a andar como fizeste com o outro!

Penso que seria apenas a inveja a falar. Todos nós sabemos como são as fêmeas com os machos das amigas. Bolas, lá nisso os cães, digo, os homens são mais francos.

Pois minha amiga, agradeço-vos terem-me proporcionado cerca de três anos de felicidade na vossa companhia. Era tão bonito vê-los…

Depois, veio aquele dia penoso e tu provavelmente sem sentires, transferiste a tua mágoa, a tua revolta, para o pobre rapaz. Nunca percebeste que, se tu tinhas perdido um Pai, ele, mesmo sem derramar uma lágrima, sofria a perda dum amigo.

Só eu sei, que para além daquelas truculentas discussões, eles eram grandes amigos, num jogo de forças e cumplicidade, como é normal entre “rapazes”, sem ódio, com amor e com os olhos postos em ti, no teu futuro.

Não posso revelar, só eu sei o que escutei na última conversa que ambos tiveram… falaram de ti.

Quanto à minha morte, como sabes fui assassinado, não vi o meu agressor, mas pelo faro sei que não foi ele. Nem sequer é culpado pelo do telefonema de que o acusas e que me contas-te, lembras-te?

Quantas lágrimas escusadas, quanta raiva contida e sem razão, mas acredito que tudo isso foi obra de alguém mal intencionado. O pobre ainda hoje não entende o que se passou. Podias ao menos deixar que ele se explicasse, devias-lhe, deves-lhe isso.

Querida dona, ao escrever-te esta carta, cumpri o meu dever de cão fiel.

Finalmente depois de tantos anos posso partir para o céu, o céu dos cães, onde vagueiam lindas cadelinhas e onde sem receio, ao Domingo durante a missa, posso entrar pela igreja e deitar-me, como vocês me ensinaram, aos pés do padre, também ele recordação.

Apenas gostaria de saber se aceitas conversar com ele, que de ti já nada quer. Apenas precisa de te ver…

Um café, uma mesa e duas cadeiras, como diz um amigo nosso, o JUDA, autor do Blog “O SAL DA NOSSA PELE” num dos seus mais belos poemas que melhor expressa a vontade do meu dono “Preciso de te ver”. (escrito e publicado em 5 de Maio de 2006)

Para ti querida dona, deixo aqui uma lambidela, uhhmmpff. Foste uma pessoa importante na minha vida.

São Pedro de Moel, 11 de Setembro de 2007
O vosso Cão Preto Chamado Infeliz
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PS - Parabéns pelo dia do teu aniversário.

C/Cópia para
Besnico di Roma

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A todos que lerem esta carta e que gostem de boa poesia, recomendo uma visita, ao blog do meu amigo António "Juda"
O SAL DA NOSSA PELE.